quarta-feira, 11 de maio de 2011

Brasil pode chegar a 2050 com 80% de energia renovável


     "O Brasil pode chegar em 2050 com 80% de sua energia a partir de fontes renováveis. Hoje temos aproximadamente 45% ou 46%", afirmou Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia, em conversa com a Deutsche Welle.
     Para chegar lá, no entanto, é preciso pavimentar bem o caminho. "Sim, estamos num momento de importantes definições de políticas públicas. Finalmente criou-se uma base, quase que um consenso, de que o Brasil tem que acompanhar o desenvolvimento mundial na incorporação de novas tecnologias de energias renováveis, principalmente eólica, solar e de biomassa", acrescentou Nobre.
     No mix nacional de geração de energia, as hidrelétricas aparecem em primeiro lugar, com 66,28%. Mas a fonte eólica é promissora: "O potencial brasileiro é, talvez, o segundo maior do mundo, depois dos Estados Unidos", comentou o secretário. Essa fonte de energia cresceu 30% em todo o mundo, em 2009, diz o relatório do IPCC, perdendo apenas para a expansão da energia fotovoltaica, que foi de 50%. Os autores acreditam que em 2050 a energia solar será uma das principais fontes de geração limpa.
     Fábio Scarano, autor do IPCC e diretor executivo da ONG Conservação Internacional no Brasil, lembra que há armadilhas no caminho. "O investimento que o Brasil está fazendo na polêmica usina de Belo Monte, por exemplo, poderia ir para a pesquisa de energia renovável. É preciso muito mais pesquisa nessa área, e nós estamos bem atrasados."

fonte: Correio do Estado

terça-feira, 3 de maio de 2011

"Concertando" a Gestão

Uma entrevista interessante com o maestro Roberto Minczuk

Aos 44 anos. o maestro Roberto Minczuk já regeu oitenta orquestras em doze países. entre elas a Filarmônica de Nova York -uma das melhores do mundo. Desde g 2005. assumiu o comando da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), na qual ganhou os holofotes não por suas virtuosas interpretações de Gustav Mahler e Richard Strauss, mas pela verdadeira batalha que travou com os músicos sob sua chefia. O conflito girava em torno de um projeto liderado por Minczuk. que previa implantar avaliação de desempenho para os integrantes da orquestra e aumentar sua carga de ensaios. Apesar das resistências. ele obteve uma vitória na semana passada: 36 dos 82 músicos da OSB acabaram demitidos por se recusar a aderir ao novo sistema. Nascido na capital paulista, Minczuk, que vive hoje no Rio de Janeiro com a mulher e os quatro filhos. afirma: "Estamos dando um passo decisivo no longo caminho a percorrer para tentar um lugar entre os melhores do mundo".

Com a demissão dos músicos que se opunham a sua gestão, na semana passada, o senhor considera a batalha na Orquestra Sinfônica Brasileira vencida?
A luta ali é para alçar a orquestra ao padrão internacional, patamar do qual. não há dúvida, estamos ainda muito distantes. Precisamos ganhar qualidade especialmente em aspectos técnicos. e básicos. como afinação e precisão. Para se ter uma ideia do estado das coisas, recentemente tive de jogar fora a gravação de uma peça que já havíamos tocado mais de vinte vezes juntos, simplesmente porque ela não apresentava o nível mínimo para que constasse em um CD. Ao avaliar esses músicos e exigir deles mais dedicação. o novo regime na OSB não tem o propósito de castigá-los, mas. sim, de oferecer-lhes uma chance real para que evoluam e até ganhem destaque. O projeto prevê por exemplo, que todos façam apresentações de música de câmara e recitais individuais. É de espantar que um grupo ainda resista a um sistema que, na essência, valoriza o mérito. Só com algo assim esses profissionais poderão sonhar com algum protagonismo no cenário da música erudita internacional.

O que explica tamanha resistência a meritocracia?
Parte da equipe tem alto padrão e anseia destacar-se no panorama mundial, mas alguns fazem de tudo para acobertar seus velhos vícios e não expor as próprias fragilidades. São justamente esses os que não querem nem ouvir falar em mérito.

A que vícios exatamente o senhor se refere?
Presenciei, nos últimos tempos, episódios reveladores de uma tremenda falta de compromisso de certos músicos com a excelência da orquestra. O pior foi a recusa de alguns em participar da última edição do Festival de Inverno de Campos do Jordão, o mais importante evento do gênero no país, com transmissão pela TV em rede nacional e gravação de um CD. A alegação dos músicos, de que não havia um hotel cinco-estrelas em que pudessem se hospedar na cidade, era ridícula. A verdadeira motivação, mais ainda. O que eles não queriam mesmo era ter de faltar a apresentações que haviam marcado para aquele mesmo fim de semana. Elas nada tinham a ver com os interesses da OSB. E apenas um exemplo de uma postura encabeçada por parte dos profissionais que eu comandava, de permanente afronta à disciplina e à busca pela excelência. Imagine que, nos ensaios com renomados regentes convidados, eles chegavam a ler revistas em plena função.

Por que eles não queriam ensaiar?
Tudo gira em torno da ideia do total descompromisso. A frente da orquestra, já fui testemunha de situações absurdas. Um de meus músicos, por exemplo, vivia apresentando atestados médicos de Porto Alegre para justificar suas constantes ausências nos ensaios. Até que um dia descobri que ele mantinha uma pizzaria na cidade. Recentemente, um membro da orquestra chegou a faltar a uma apresentação, alegando problemas de saúde. mas apareceu bem serelepe tocando em um show do Roberto Carlos. Isso para não falar daqueles que deixam de comparecer a um concerto toda vez que são desafiados a tocar alguma peça de execução mais complexa. Não dá para pensar em avanços relevantes sem que os músicos coloquem de uma vez por todas a OSB no topo de sua lista de prioridades. Eles devem perseguir sua melhor forma e seguir as regras, como qualquer outro profissional.

Nas melhores orquestras do mundo, não existe um sistema de avaliação, mas os próprios músicos zelam pela qualidade expelindo os piores, quando necessário. Por que não funciona assim na OSB?
Há um abismo de séculos entre as orquestras europeias e americanas e as brasileiras. Instituições como a Filarmônica de Berlim ou a de Nova York são as melhores do mundo porque têm tradição, história e integram culturas em que a música clássica ocupa um lugar nobre. Quando um profissional é contratado por uma dessas sinfônicas. ele sabe que passou para o time dos melhores e que está em um ambiente altamente competitivo, onde é inadmissível que alguém atrapalhe o conjunto com um desempenho medíocre. Infelizmente, esse tipo de lógica não rege nossa cultura. Daí a necessidade de estabelecer um novo paradigma, bem simples: o de que uma orquestra, para valer o dinheiro dos ingressos e cada cota de patrocínio, deve ser um produto de qualidade elevada. Foi ao adotar essa postura, nos anos de 1990, que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo conseguiu alcançar nível internacional.

Três regentes da OSB já foram derrubados por rebeliões de músicos, entre eles Isaac Karabtchevsky. Quando assumiu o posto, o senhor estava preparado para o embate?
Esperava que houvesse resistência às minhas propostas, mas nunca poderia imaginar a intensidade dos ataques que receberia. Transformaram um projeto institucional em uma questão pessoal. Nem meus filhos foram poupados. Minha caçula, de 7 anos, passou a ser perseguida na escola por um garoto que se referia a mim como um monstro. Outra de minhas filhas, de 17 anos, viu-se acuada pelo próprio professor da faculdade de engenharia que cursa, no Rio de Janeiro. Em plena aula, ele pôs-se a questionar as recentes mudanças na orquestra. com críticas diretas a mim.

Como o senhor rebate a fama de irascível e autoritário?
É curioso. Regi oitenta orquestras em doze países e nunca sofri acusações dessa natureza lá fora, só no Brasil. Quem faz tais afirmações certamente não teve a chance de assistir a um ensaio meu. Sou exigente como a função requer, é um pré-requisito do cargo que ocupo. Se eu julgo que um determinado trecho de música não foi bem executado. posso mandar repeti-lo dezenas de vezes. incansavelmente. e pedir ao músico que ensaie mais em casa. Não tem outro jeito de almejar um lugar entre os bons, senão pela exaustão, pelo esmero. E assim que ocorre em todas as melhores orquestras do mundo. Agora, faço isso sem perder o tom polido nem ofender ninguém.

Diante de mudança tão radical nas regras da OSB, o senhor acha que pode ter-lhe faltado diplomacia para conduzir o assunto, como afirmaram alguns de seus críticos?
Já refleti muito a respeito. Poderia ter comunicado melhor minha ideia à equipe. falando com os músicos um a um e fazendo-os enxergar os benefícios da proposta. sem deixar que as dúvidas tomassem corpo. Para mim, estava tudo tão cristalino que não percebi que havia, em meio aos bem intencionados, um núcleo que se encarregou dia e noite de minar o ambiente de cooperação que existia antes. O interesse maior desses músicos era vencer uma queda de braço não apenas comigo, mas com o conselho da fundação à qual a orquestra está subordinada. Está claro que a luta deles passou o tempo todo ao largo do essencial: a qualidade da música.

O senhor assumiu a OSB em 2005. Por que só agora resolveu implantar mudanças que julga tão decisivas para os rumos da orquestra?
Havia questões mais prementes e básicas. Em 2005, a orquestra caminhava para um descrédito absoluto. Só de dívidas, eram quase 13 milhões de reais. Muito pouca gente ia aos espetáculos. Estava-se prestes a fechar as portas. Hoje a dívida está paga e o público brasileiro, que dá sinais de interessar-se cada vez mais por música clássica, começa a lotar as salas de concerto. Entre os músicos que permaneceram, percebo também mais entusiasmo. Eles serão mais exigidos a partir de agora. mas em compensação já figuram entre os mais bem pagos da América Latina, com salários em torno de 11000 reais. São todos sinais positivos, mas sei que representam apenas um bom começo de um ainda longuíssimo caminho a trilhar.

Haverá tempo para que a orquestra chegue ao início da temporada, em dois meses, melhor do que está hoje?
Com a demissão dos 36 músicos na semana passada, temos vários postos a preencher, mas estou confiante de que conseguiremos fazer isso a tempo e mantendo uma peneira severa. Mais de 100 músicos de diversos países já estão inscritos nas audições que breve ocorrerão em Londres. em Nova York e no Rio de Janeiro. Certamente acharemos talentos aí. Claro que não precisamos ocupar todas as vagas de uma só vez. É necessário que se preserve, afinal, o mérito do qual tanto falo. Posso garantir que daqui para a frente teremos um time bem mais alinhado com os princípios que pretendo implantar na OSB.

Qual pode ser o papel de uma orquestra num país como o Brasil, sem tradição na música clássica?
A experiência mostra que uma boa orquestra é capaz de influenciar diversos aspectos da cultura de um país. Digo isso não só pelo que ela acrescenta ao capital cultural propriamente dito, disseminando uma nova expressão musical, mas também por outro viés menos óbvio. Para mim, o maior valor que uma orquestra pode agregar é o exemplo de uma instituição sólida, que tem em sua essência princípios como disciplina, espírito de equipe e a busca constante por qualidade e competitividade. Numa economia emergente como a brasileira, esses são valores que devem ser pavimentados. Também não é exagero dizer que uma orquestra de alto nível faria muito bem à imagem do país, especialmente num momento de grande visibilidade do Brasil no cenário internacional, em que se vislumbram no horizonte eventos como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.

O que esperar de avanços concretos para a OSB a curto prazo?
Em primeiro lugar. estaremos em todos os eventos importantes do país neste ano, tocando inclusive para grandes públicos, a principio. não tão afeitos a música clássica como no Rock in Rio. É uma estratégia. Vejo isso como uma oportunidade valiosa de ampliar nossa plateia, condição básica para a própria sobrevivência da orquestra. Outra meta que me é muito cara e já está no radar é começar a atrair de volta ao país os craques brasileiros da música clássica, hoje tocando no circuito internacional. Com os atuais salários, já dá para pensar em contar com os melhores. Mas nenhum desses objetivos será possível se não mudarmos de vez a mentalidade local, perseguindo o maior de todos os desafios este mais intangível.

A que o senhor se refere?
À busca obcecada pela perfeição. Quem melhor expressou isso foi o grande maestro alemão Kurt Masur, em uma palestra para setenta regentes à qual assisti dois anos atrás, em Nova York. Masur tem 83 anos e é um dos maiores especialistas em Beethoven do mundo. Fiquei muito impressionado ao ouvi-lo declarar que dedicaria os anos que lhe restavam de vida a estudar ainda mais a obra do compositor. Ora, eu não conheço maestro que tenha regido mais sinfonias de Beethoven que Masur. Ainda assim, ele não se dá por satisfeito. O que nos remete ao que deve ser, sempre, o maior objetivo não apenas de um músico, mas de qualquer profissional. empresa ou nação. Para ser realmente bom, não se deve almejar menos do que a perfeição


Fonte: Revista Veja – 04 de maio de 2011.